Documentos liberados pelo Arquivo Nacional revelam envolvimento do Brasil ao lado da Argentina
Em junho de 1982, o bombardeiro, com problemas técnicos e carregado de armas, foi escoltado por caças brasileiros e aterrissou em solo nacional. A partir daí, começou uma guerra diplomática envolvendo Brasil, Inglaterra e Argentina. Os ingleses reclamavam que, ao mesmo tempo em que retinha o avião, o governo brasileiro fazia vista grossa para a passagem pelo Brasil, em escala técnica, de aviões com armamentos vindos da Líbia rumo à Argentina.
Relatório de número 011650 do Serviço Nacional de Informações (SNI) mostra a correspondência secreta entre o Ministério das Relações Exteriores e o então presidente João Baptista Figueiredo, abordando o andamento da crise e confirmando a preferência pela Argentina no conflito. Reflete, ainda, a ameaça iminente de 'deterioração' das relações com a Inglaterra.
Para a diplomacia, a questão era complicada. O Brasil defendia uma solução negociada, mas declarara seu apoio à pretensão da Argentina pela posse das ilhas. Ou seja, não tinha posição de neutralidade. O problema é que, na retenção do bombardeiro, o governo argentino pediu que fossem aplicadas as regras de neutralidade.
'Se atendêssemos ao pedido argentino, a Grã-Bretanha poderia exigir-nos a aplicação do estatuto da neutralidade também em relação à Argentina, o que seria incompatível com as diversas formas de apoio que temos dado ao nosso vizinho', revela a correspondência enviada pelo ministério. 'Nas circunstâncias, parece-me necessário procurar uma solução sui generis, de caráter prático, que atenda ao máximo à Argentina e sem caracterizar uma neutralidade formal, que sirva de argumento ao Reino Unido para outras questões. Cabe notar, ainda, que, verbalmente, o governo argentino havia pedido que 'pelo menos se atrasasse' a entrega do avião, embora a nota que nos foi passada evidentemente não mencionasse essa hipótese', acrescenta o texto.
No dia 3 de junho, antes de falar com os argentinos, os militares haviam anunciado a pronta devolução do avião para a Inglaterra, desde que desarmado. Dois dias depois, já com gestões políticas e diplomáticas deflagradas, o Vulcan passou a ter destino incerto. Irritadas com o problema, as autoridades britânicas deixaram claro que a relação com o Brasil corria risco.
REAÇÃO
No dia 5 de junho de 1982, a embaixada britânica entregou um duro texto para as autoridades brasileiras. A conclusão da mensagem, incluída no documento 011650 do SNI, não poderia ser mais objetiva. 'O governo de Sua Majestade Britânica lamenta ter que deixar claro ao governo brasileiro que a reversão da decisão anunciada em 3 de junho, se mantida, acarretaria sérias conseqüências para as amistosas relações de que a Grã-Bretanha e o Brasil têm desfrutado ininterruptamente há tanto tempo e às quais atribui grande valor', diz a mensagem.
No recado enviado pelos britânicos, é feita menção à passagem de aviões com armas para a Argentina. 'À luz das antigas e amistosas relações entre a Grã-Bretanha e o Brasil, o governo de Sua Majestade Britânica acredita ter o direito de esperar tratamento equilibrado na atual situação de crise. Nesse contexto, tem conhecimento de que aviões militares argentinos e outras aeronaves utilizaram e continuam utilizando aeroportos brasileiros ao transportarem equipamento militar para uso pela Argentina.'
Os papéis mostram o esforço do Brasil para negar ao governo britânico a versão de que fosse conivente com o trânsito de armas. 'Já foi explicado ao embaixador britânico que o governo brasileiro não tem interesse em participar de operações triangulares para o fornecimento de armas', relata a correspondência enviada pelo Ministério das Relações Exteriores a Figueiredo.
Segundo o documento, o Brasil teria avisado aos ingleses 'que já vendeu e continuará a vender armas' ao país vizinho. Pressionado pelos britânicos, o governo devolveu o Vulcan a seu país de origem, mas sob condições que não desagradaram à Argentina - sem as armas e com a garantia de que não seria mais usado na guerra. De fato, nem foi preciso, já que os ingleses definiram o conflito naquele mesmo mês de junho.